Outras histórias; outros autores

Debatedora: Lilia Schwarcz

 

 

Retrato de uma sociedade nas metáforas alimentares do “Boca do inferno”

Claude G. Papavero

 

Ingredientes comestíveis e preparos culinários inspiraram um grande número de metáforas e de metonímias jocosas ao poeta satírico Gregório de Matos. O universo das práticas alimentares da população colonial seiscentista, tema recorrente na obra do autor, permitiu que um elenco variado de referências a comidas ingeridas propusesse alusões depreciativas à aparência insólita ou às condutas incongruentes de soteropolitanos de baixa extração e pouca educação que desejavam ascender socialmente. Os tropos inseridos nos versos do poeta para satirizar peculiaridades físicas e morais de conterrâneos enriquecidos ao arrepio da ética contribuíram a delinear a concepção que o poeta e seus pares tinham de uma sociedade ideal. Todavia, a própria necessidade de formular críticas apontava também para a existência, nas últimas décadas do século XVII, de conflitos sociais que dividiam a sociedade estabelecida em Salvador, capital do Brasil colonial.   

 

Alimentação, Govermentalidade e Cuidado do si: Esboço para uma crítica da razão alimentar

Gabriel Pugliese

 

Esse artigo pretende problematizar o atual surto discursivo sobre a alimentação no Brasil, os conceitos, teses, maneiras de pensar que pretendiam (e pretendem) atuar sobre a saúde dos indivíduos e da população. Para tanto explorarei uma documentação bastante limitada, textos como Raça e Alimentação (1936) de Josué de Castro, Alimentação do trabalhador (1939) de Alexandre Moscoso, entre outros do período com a mesma problemática, assim como sistemas de pensamento invocados por esses autores. O objetivo geral é fazer uma genealogia do dispositivo da alimentação espreitando as relações de poder que dele derivam, de modo que se possa produzir ao mesmo tempo uma análise do presente. Acompanhar a gênese da preocupação sobre a alimentação do homem a partir da maneira como essas prescrições se dobram na relação do sujeito “consigo mesmo”, para espreitar como a nutrição se torna um problema de govermentalidade da vida, misto entre a economia política e ciências da saúde. Enfim, problematizar criticamente esse triplo movimento sobre a alimentação: ela se torna um domínio do conhecimento e da investigação científica; um meio, um instrumento de saber sobre os homens, da verdade que os constituem como sujeitos; uma arte política de aperfeiçoamento individual e populacional.

 

A linguagem das flores: literatura e sociedade no século XIX

Alessandra El Far

 

Este artigo irá tratar dos chamados Dicionário das flores, uma publicação popular que conquistou inúmeros leitores e adeptos no decorrer de todo o século XIX, no Brasil, ao divulgar um código amoroso que atribuía a cada flor uma mensagem específica. Assim, ao oferecer ou receber uma flor, jovens apaixonados podiam estabelecer entre si uma comunicação secreta capaz de enganar os olhares vigilantes de pais e maridos. Nascido no Oriente, essa linguagem simbólica ganhou visibilidade, como também diferentes traduções e versões, na Europa e América, a partir da publicação do livro Le langage des fleurs, de Madame Charlotte de Latour, em 1819. A ideia central seria, portanto, relacionar os diferentes usos e significados da linguagem das flores com o contexto social e cultural de oitocentos.