Cursos

1º semestre de 2012

Teorias Antropológicas Clássicas: Temporalidade, historicidade e história (ou a falta dela) na formação do campo antropológico. Disciplina oferecida pela profª. Drª. Lilia Schwarcz no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da USP.

EMENTA

O objetivo desse curso obrigatório é mostrar como a antropologia, enquanto disciplina, afirmou-se em diálogo, e muitas vezes, em contraposição com a história. A proposta é investigar alguns momentos iniciais e formadores em que a antropologia refletiu sobre a história. Ou melhor, como algumas escolas de antropologia - e certos autores - dialogaram com várias histórias: um modelo ocidental de história (digamos assim) - pautado pela cronologia e pela comprovação documental; uma história tal qual os historiadores a fazem (a disciplina histórica); uma história entendida como categoria social (e que me remete à noção de temporalidade); ou a crítica a uma certa “Filosofia da História”, o que permitirá pensar no conceito de historicidades, quando se abole a possibilidade de pensar história no singular. Nesse sentido, começaremos com etnólogos da assim chamada escola evolucionista – que introduziram a história e a cronologia em suas interpretações; passaremos pelos escritos de Franz Boas – que acabou por se transformar, nas palavras de Levi-Strauss, “em um cético da história -; percorremos monografias de antropólogos que defenderam o “presente etnográfico”; para adentrarmos obras de autores que pensaram história como “representação”. Faremos, ainda, um pequeno “parênteses” para traçar paralelos com a discussão na historiografia à época. Como se verá a história (a partir de diferentes significados e usos) assumiu um papel destacado na própria constituição da disciplina. Nesse sentido, a delimitação de fronteiras foi preocupação central de algumas escolas de antropologia, cujos autores buscaram definir seus modelos também partindo de uma contraposição de métodos. A intenção não é, porém, engessar autores e obras, nem dar um tom por demais evolutivo ao argumento, com o risco de que a mera sucessão de sistemas filosóficos, deixe escapar o essencial: o próprio conteúdo das teorias.

Com o intuito de evitar tal risco examinaremos diferentes possibilidades que o debate alimenta. É possível definir história como um conceito universal, já que a experiência comum da passagem do tempo é consensual, mas também particular: na dimensão dos eventos e quando o acontecimento é culturalmente valorizado. A história pode, ainda, ser tomada como uma disciplina, ou como uma categoria fundamental. Nos termos de Durkheim, estaríamos lidando com uma “categoria básica do entendimento”, um a priori: não há sociedade que não construa sua noção de tempo, mas cada cultura a realiza empiricamente de forma diversa.

Seria possível opor, também, duas noções mais óbvias de tempo e, como veremos, de história. Assim como as coisas vivas nascem, crescem e morrem -- e, portanto, mudam --, também certos fenômenos da natureza se repetem (a semana; as estações; o dia que vira noite, e vice-versa). Como se pode notar -- e parafraseando Lévi-Strauss --, a história é “boa para pensar”. Assim como se estudam parentescos, rituais, simbologias, também a história permite prever como a humanidade é una, mas variada em suas manifestações. Essa “história” tem, assim, muitos trajetos: nesse curso pretende-se, pois, realizar uma breve e inicial “antropologia da história”.

CRONOGRAMA E BIBLIOGRAFIA DAS SESSÕES: //Alguns dos textos do programa estão disponíveis para download abaixo//

20 de março. Apresentação do curso, divisão dos trabalhos.

27 de março. Temporalidade e os sentidos da história

Émile Durkheim, “Representações individuais e representações coletivas” (1898), em Sociologia e filosofia (Rio de Janeiro: Forense, 1988). Heloisa Pontes, “Durkheim: uma análise dos fundamentos simbólicos da vida social e dos fundamentos sociais do simbolismo”, Cadernos de Campo, ano 3, no 3, 1993, pp. 89-102 (São Paulo: USP/FFLCH, Depto. de Antropologia). Lilia Schwarcz. “Questões de fronteira: sobre uma antropologia da história”. In Revista Novos estudos. São Paulo, Cebrap, número 72, julho de 2005, pp. 119-136.

3 de abril. Evolucionismo social, temporalidade e humanidade

Especial evolucionismo. In: Cadernos de Campo 19. São Paulo, FFLCH, 2010, pp 287 -338. Lewis Morgan. A sociedade antiga (Cap.1. períodos étnicos) In: Celso Castro, Celso (org.). 2005. Evolucionismo Cultural: Textos de Morgan, Tylor e Frazer. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor. pp. 41-65. TYLOR, Edward Burnett. A ciência da cultura. In: In: Celso Castro (org.). 2005. Evolucionismo Cultural: Textos de Morgan, Tylor e Frazer. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor. pp. 67-99. Timothy Ingold. 2010. Da Transmissão de Representações à Educação da Atenção. In: Educação. Porto Alegre. Vol. 33. No. 1. Jan.-Abr. pp. 6-25. George W Stocking Jr. Victorian anthropology. New York, The Fare Press, 1987.

10 de abril. Mensurando tempos e homens

Helène Clastres. 1980. Primitivismo e ciência do homem no século XVIII. In: Discurso. No. 13. pp. 187-208. Adam Kuper. 2008. O mito da sociedade primitiva; Bárbaros, selvagens, primitivos. In: A Reinvenção da Sociedade Primitiva: Transformações de um Mito. Recife: Editora da UFPE. pp. 19-39, 41-62. Lilia Schwarcz. 1993. Uma história de “diferenças e desigualdades”: As doutrinas raciais do século XIX, In: O Espetáculo das Raças: Cientistas, Instituições e Questão Racial no Brasil 1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras Stephen Jay Gould. The mismeasure of man. New York, Norton & Company 1981. George W. Stocking Jr. Race, culture, and evolution. Essays in the history of anthropology. Chicago, University of Chicago Press ________. Bones, bodies, behaviour. Essays on biological anthropology. Wisconsin, University of Wisconsin Press. V. 5.

17 de abril. Antropologia vitoriana. Na era dos museus

George W. Stocking Jr. Objects and others. Essays on museums and material culture. Wisconsin, University of Wisconsin Press. V. 5, 1988. Lilia Schwarcz. “Os museus etnográficos brasileiros: “Polvo é povo, molusco também é gente”. In O Espetáculo das Raças: Cientistas, Instituições e Questão Racial no Brasil 1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras. 1993.
Ingold, Tim. “The past is a foreign country”. In Key debates in Anthropology. London and New York, Routledge. 1998.

24 de abril. Franz Boas e a falta de fontes da história.

Franz Boas, “História e ciência em antropologia” (1936), em Antropologia cultural (Rio de Janeiro: Zahar, 2004). Franz Boas, “Os objetivos da pesquisa antropológica” (1932), em Antropologia cultural, p. 98 (Rio de Janeiro: Zahar, 2004). George W. Stocking Jr. (org.), Franz Boas. A formação da antropologia americana. 1883-1911 (Rio de Janeiro: Contraponto/Editora da UFRJ, 2004) Margarida Maria Moura, Nascimento da antropologia cultural. A obra de Franz Boas (São Paulo: Hucitec, 2004).

1º de maio. Não há aula: feriado

8 de maio. Antropologia do presente e a recusa da subjetividade histórica.

A. R. Radcliffe-Brown, Estrutura e função nas sociedades primitivas, p. 11 (Lisboa: Edições 70, 1989). A. R. Radcliffe-Brown, “Da estrutura social”, em Estrutura e função nas sociedades primitivas, p. 279 (Lisboa: Edições 70, 1989). Paul Rivers. “História e etnologia” (1920) In Roberto Cardoso de Oliveira (org.), A antropologia de Rivers (Campinas: Editora da Unicamp, 1991). B. Malinowsky. Os argonautas do pacific ocidental. São Paulo, Pensadores, Abril Cultural, 1973. Anna Grimshaw e Keith Hart, em Anthropology and the crisis of the intellectuals, p. 25 (Cambridge: Prickly Pear Press, 1993).

15 de maio. História como representação

“Marret Lectures”. E. E. Evans-Pritchard, “Anthropology and history”, em Essays in social anthropology (Londres: Faber and Faber, 1962), Antropologia social, p. 100 (Lisboa: Edições 70, 1978). E. E. Evans-Pritchard, “Social anthropology: past and present”, em Essays in social anthropology, p. 21 (Londres: Faber and Faber, 1962). E. Evans-Pritchard. Os Nuers. São Paulo, Perspectiva, 1978.

22 de maio. História como tempos médios, curtos e longos: A Escola dos Annales: parênteses ou debate em paralelo.

Bloch, Marc. Os reis taumaturgos. São Paulo, Companhia das Letras, 1993 Le Goff, J. - “Prefácio”, In: Bloch, M. (op. cit.). Braudel, Fernand. O mediterrâneo e o mundo mediterrâneo. Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1995 Braudel, Fernand “História e Ciências Sociais. A Longa Duração” in Escritos sobre a história. São Paulo, Perspectiva, 1978. Revel, Jacques. “Os Annales em perspectiva”, parte 1. In: A invenção das sociedades. Lisboa, Difel, 1989 Burke, Peter - “A Nova História: seu passado e seu futuro”. In: A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo, Unesp, 1992. Le Goff, Jacques e Nora, Pierre História: novos problemas. Rio de Janeiro, F. Alves, 1976.

29 de maio. Sociedades com e sem história. Estrutura e sincronia

Claude Lefort, “Sociedades ‘sem história’ e historicidade”, em As formas da história, p. 17 (São Paulo: Brasiliense, 1979). Claude Lévi-Strauss, “História e etnologia”, em Antropologia estrutural, p. 21 (Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1975). Claude Lévi-Strauss, “Histoire et ethnologie”, Annales E.S.C., vol. 38, no 6, 1983

5 de junho. Outras histórias Claude, Lévi-Strauss: Raça e história (1952); Aula inaugural (1960); dois últimos capítulos d’O pensamento selvagem (1962); “Um outro olhar” (publicado na revista L’Homme em 1983); História de lince (1991); “Voltas ao passado” (entrevista para a revista Mana de 1998).

12 de junho. Antropologia estrutural e história: a história é boa para pensar

Claude Lévi-Strauss, “História e dialética”, em O pensamento selvagem. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1976. Christian Delacampagne e Bernard Traimond, “A polêmica Sartre/Lévi-Strauss revisitada. Nas raízes das ciências sociais de hoje”, Les temps modernes, no 596, nov.-dez., s. d. Marc Gaboriau, “Antropologia estrutural e história”, em Luiz Costa Lima (org.), O estruturalismo de Lévi-Strauss (Petrópolis: Vozes, 1968) Marcio Goldman, “Lévi-Strauss e os sentidos da história”, Revista de Antropologia, vol. 42, nos 1-2, 1998 (São Paulo, USP/FFLCH, Depto. de Antropologia), ou “Lévi-Strauss e os sentidos da história”, em Marcio Goldman, Alguma antropologia (Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1999). Claude Lévi-Strauss, “Voltas ao passado”, Mana. Estudos de Antropologia Social, vol. 4, no 2, 1998, p. 108 (Rio de Janeiro: PPGAS/Relume Dumará). Claude Lévi-Strauss, “A harmonia das esferas”, em Do mel às cinzas, pp. 401-8 (mimeo, 2003).

19 de junho. História e metáfora

Marshall Sahlins, Historical metaphors and mythical realities, p. 9 (Michigan: Michigan Press, 1986).
Marshall Sahlins, Ilhas de história (1987) (Rio de Janeiro: Zahar, 1990). A. M. Hocart, Kinship (1927) (Oxford: Oxford University Press, 1969). Marshall Sahlins, Entrevista para o livro Antropologias: histórias e experiências, organizado por Fernanda Peixoto, Heloisa Pontes e Lilia Moritz Schwarcz (Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2004). Clifford Geertz, Negara. O Estado teatro no século XIX (1980) (Lisboa: Difel, s. d.).

26 de junho. No tempo da montanha, ou balanço final do curso.

Thomas Mann, A montanha mágica, p. 601 (Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980). Walter Benjamin, “Sobre o conceito de história”, em Obras escolhidas (São Paulo: Brasiliense, 1985). Paul Veyne, Como se escreve a história (Brasília: Editora da UnB, 1982). Ingold, Tim (1996) The past is a foreign country. In:___ (editor) Key Debates in Anthropology, London Routledge pp.199-248. Gell, Alfred (2001) The anthropology of time: cultural constructions of temporal maps and Images. London, Berg.